Patentear a vida
Michael Crichton *
The New York Times
Você, ou alguém que você ama, pode morrer devido a uma patente de gene que, à partida, nunca deveria ter sido concedida. Parece improvável? Infelizmente, é apenas demasiado real.
As patentes de genes são agora usadas para deter a investigação, impedir testes médicos e manter informação vital longe de si e do seu médico. As patentes de genes retardam o passo dos avanços médicos sobre doenças mortais. E elevam os custos exorbitantemente: um teste para cancro de mama que poderia fazer‑se por 1.000 dólares custa agora 3.000 dólares.
Porquê? Porque o detentor da patente do gene pode cobrar o que quiser, e fá‑lo. Poderia alguém fazer um teste mais barato? Claro, mas o detentor da patente bloqueia qualquer teste por parte de um competidor. Possui o gene. Ninguém mais pode o testar. Na verdade, uma pessoa não pode sequer doar o seu próprio gene do cancro da mama a outro cientista sem o consentimento do detentor. O gene pode existir no seu corpo, mas é agora propriedade privada.
Esta situação bizarra acabou por acontecer devido a um erro por falta de financiamento e escassez de pessoal na agência governamental. O Escritório de Patentes dos Estados Unidos interpretou mal as decisões prévias do Tribunal Supremo e, há alguns anos, começou – para surpresa de todos, inclusive dos cientistas que decifraram o genoma – a emitir patentes de genes.
Os humanos compartilham principalmente os mesmos genes. Genes que também se encontram em outros animais. A nossa composição genética representa a herança comum de toda a vida na Terra. Não se pode patentear a neve, a águia ou a gravidade e não se deveria também poder patentear genes. Contudo, actualmente, um quinto dos genes no seu corpo são propriedade privada.
Os resultados têm sido desastrosos. Habitualmente, imaginamos que as patentes promovem a inovação, mas isso é porque a maioria das patentes são concedidas para as invenções humanas. Os genes não são invenções humanas, são rasgos do mundo natural. Como resultado, estas patentes podem ser usadas para bloquear a inovação e prejudicar o cuidado dos doentes.
Por exemplo, a doença de Canavan é uma desordem hereditária que afecta crianças a partir dos 3 meses; não podem gatear nem caminhar, sofrem paralisia progressiva e morrem durante a adolescência. Anteriormente não existia nenhum teste para dizer aos pais se estavam em risco. Famílias que suportam a angústia de cuidar destes meninos implicaram um investigador para identificar o gene e produzir um teste. As famílias com Canavan de todo o mundo doaram tecido e dinheiro para ajudar esta causa.
Quando o gene foi identificado em 1993, as famílias conseguiram o compromisso de um hospital de Nova Iorque para oferecer gratuitamente o teste a qualquer pessoa que o solicitasse. Mas o patrão do investigador, o Instituto de Investigação Infantil do Hospital de Miami, patenteou o gene e negou-se a permitir o teste a qualquer provedor de cuidados de saúde sem o pagamento de direitos. Os pais não acreditavam que os genes devessem ser patenteados e por isso não puseram os seus nomes na patente. Consequentemente, não tiveram qualquer controlo sobre o resultado.
Além disso, o dono de um gene pode também, em alguns casos, possuir as mutações desse gene, e estas mutações podem ser os marcadores da doença. Países que não têm patentes de genes na verdade oferecem melhores testes de genes do que nós, porque quando múltiplos laboratórios estão autorizados a fazer testes, mais mutações são descobertas, elevando assim a qualidade dos testes.
Os defensores das patentes de genes argumentam que o problema é uma tempestade num copo de água, e que as licenças das patentes estão prontamente disponíveis a custo mínimo. Isso é simplesmente falso. O dono do genoma da Hepatite C pede milhões aos investigadores para estudar esta doença. Não surpreende que muitos outros investigadores decidam estudar algo menos dispendioso.
Mas esqueçamos os custos: por que deveriam as pessoas ou as companhias, à partida, possuir uma doença? Não a inventaram. Contudo, actualmente, mais de 20 patogenias humanas estão em posse privada, incluídas a hemofilia, a gripe e a hepatite C. E já mencionámos que testes para o cancro da mama custam 3.000 dólares. Ah, mais uma coisa: se você se submeter ao teste, a companhia que possui a patente do gene pode guardar o seu tecido e fazer investigação nele sem pedir a sua permissão. Não gosta? Paciência.
A simples verdade é que essas patentes de genes não são benignas e nunca o serão. Quando o vírus do SARS se estava a disseminar pelo globo, os investigadores médicos hesitaram em estudá‑lo – devido a preocupações com a patente. Não há indicação mais clara de que as patentes de genes bloqueiam a inovação, inibem a investigação e põem‑nos a todos em risco.
Nem o seu médico pode obter informação relevante. Uma medicação da asma só funciona em certos pacientes. No entanto, o seu fabricante travou esforços de outros para desenvolver testes genéticos que determinariam em quem funciona e em quem não. Tais considerações comerciais interferem com um grande sonho. Durante anos prometeram-nos a era vindoura da medicina personalizada – medicina adequada à composição particular do nosso corpo. As patentes de genes destruem esse sonho.
Felizmente, dois deputados querem tornar disponível para todos nós o benefício total do genoma decifrado. Na sexta‑feira passada, Xavier Becerra, um Democrata da Califórnia, e Dave Weldon, um Republicano da Flórida, patrocinaram a Lei de Acessibilidade e Investigação do Genoma, para proibir a prática de patentear genes encontrados na natureza. Becerra teve o cuidado de dizer que o projecto de lei não estorva a invenção, antes a promove. Tem razão. Este projecto de lei alimentará a inovação, e devolver-nos-á a nossa herança genética comum. Merece o nosso apoio.
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* Michael Crichton é autor, recentemente, da novela Next.
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