2007-03-29


Pensões indignas e pouca comida revoltam despejados do Bacelo

Helena Teixeira da Silva (JN)

A Segurança Social desenrascou seis pensões, no Porto, para a primeira pernoita dos 47 elementos da comunidade de etnia cigana que a Câmara desalojou, anteontem, das barracas - entretanto demolidas - na Rua do Bacelo, freguesia de Campanhã. Mas a maioria não aceitou dormir nas instalações, alegando piores condições do que aquelas que terão motivado o despejo.

"Deram-nos uma cama para cinco pessoas. Os colchões cheiram a urina e estão queimados com cigarros", relata Maria do Céu, 25 anos. "Quando chegámos, a pensão já estava fechada. As crianças ficaram sem comer. E eu dormi enrolada nesta manta - uma manta azul de felpo -, que sempre é melhor do que os cobertores que encontrei", acrescenta Gracinda dos Anjos, 42 anos e três filhos. O mais velho nem sequer aceitou ficar ali. "Não aguentou o mau cheiro e foi dormir para a carrinha".

O descontentamento originou uma reunião ao fim da tarde de ontem, na Junta de Freguesia de Campanhã, com a comunidade, o director regional e os técnicos da Segurança Social e o autarca Fernando Amaral, que reconheceu "haver, de facto, pensões com condições menos dignas, devido à urgência que houve em encontrá-las". O director da Segurança Social admitiu desconhecer que a demolição seria realizada anteontem. Pelo menos, uma das seis unidades inicialmente escolhidas ficou excluída do plano temporário de alojamento. Mas as pessoas foram avisadas de que se não aceitassem ficar nas pensões, perderiam, findo o prazo de 60 dias, o direito de poder vir a ser instaladas em habitações sociais.

"Hoje [ontem] vamos ser mandados para uma pensão melhor, com mais condições e onde estão mais familiares nossos", afirmou Vera Augusto, porta-voz do grupo. Disse estar "mais contente", mas não vai desistir da alternativa defendida e preferida por todos aguardar o realojamento definitivo num terreno e não em pensões. "A assistente social disse que iria ajudar-nos a escrever uma proposta para enviarmos ao presidente da Câmara do Porto."

O terreno já foi localizado pertence a uma cooperativa, tem água quente, electricidade e balneários. "Podemos cozinhar em vez de comer duas sandes num café, lavar a roupa e escusamos de andar a vadiar o dia inteiro. A pensão, para nós, é como uma prisão. Não temos sequer com quem conversar; só as paredes", desespera Florinda Machado, 48 anos. No entanto, a Autarquia, em correspondência previamente trocada com a Segurança Social, já garantiu não estar disponível para aceitar essa sugestão, afirmou Fernando Amaral. E a própria Segurança Social não está autorizada a patrocinar mais do que uma refeição por dia. "Existe um tecto, mais ou menos flexível, de quatro euros. Se o proprietário do restaurante onde irão ser feitas as refeições aceitar descer o preço, talvez seja possível contractualizar o almoço e o jantar".

De resto, acrescentou, a reunião serviu sobretudo para resolver problemas práticos as crianças serão conduzidas à escola num transporte da Segurança Social; a roupa da lavandaria será recolhida e entregue por uma cooperativa comunitária; as famílias serão agregadas de forma tão próxima quanto possível.

Anteontem, apenas uma pessoa dormiu na pensão Sul Africana, duas na Santo António, e 12 na Santa Eulália. Se a Autarquia insistir em não aceitar a transferência da comunidade para o terreno, Vera Augusto garante "que irão permanecer nas pensões". No meio do processo, um dos elementos da comunidade, com problemas mentais, desapareceu. "Há dois dias que ninguém sabe nada dele", afirmou Gracinda dos Anjos.

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