2007-03-28

"Porto vai celebrar o quê?"


Sérgio Almeida (JN) *

"Deprimente", "caótico", "caricato"... Os adjectivos atropelam-se na boca dos responsáveis das companhias teatrais portuenses quando o assunto é o estado actual do sector na cidade. Mas o tom azedo não é exclusivo das estruturas independentes há poucas semanas, Ricardo Pais, director do Teatro Nacional S. João, aludiu ao "descalabro total" em que se converteu a actividade teatral na segunda cidade do país e, de um modo duro, afirmou mesmo que "temos que pensar seriamente se queremos continuar a ser todo o teatro do Porto".

O congelamento da atribuição de subsídios, em 2005, e o folhetim da privatização do Rivoli - que prevê a atribuição da concessão à empresa de Filipe La Féria - já tinham alertado a opinião pública para uma evidência que as centenas de membros da comunidade artística há muito sentem o risco de extinção da actividade teatral independente no Porto, hipótese confirmada pelo director do Teatro Plástico. "Como nas actuais circunstâncias é impossível continuar, temos que equacionar a possibilidade de, no final da actual programação, encerrar a actividade", afirma Francisco Alves.

'Boicote' aos festejos

A indisfarçável crise encontra expressão máxima na ausência de celebrações do Dia Mundial do Teatro na cidade do Porto. Exceptuando o programa desenvolvido pelo S. João, a oferta é diminuta. Um boicote deliberado à data? José Leitão, director do Art'Imagem, prefere ver a falta de eventos como "uma resposta". "Só festejamos com as pessoas que gostam de nós. As gentes do Porto acarinham o nosso trabalho, mas não podemos dizer o mesmo de quem está na Câmara", sintetiza o responsável da companhia que optou por celebrar a data na Maia e em Santo Tirso, autarquias com as quais foram estabelecidos protocolos de cooperação.

O fenómeno não é virgem. O corte nos subsídios concedidos pela Câmara Municipal do Porto fez com que várias estruturas teatrais da cidade procurassem alternativas nas autarquias da região. Gaia (cujo município acolhe há vários anos o Teatro Experimental do Porto) é a localidade que mais tem beneficiado da 'deserção' de companhias portuenses, mas também Matosinhos, Maia ou Santo Tirso alicerçam parte da sua programação cultural em espectáculos produzidos por grupos do Porto.

Foram precisamente as dificuldades em trabalhar no Porto que levaram a companhia As Boas Raparigas a procurar alternativas. Nos últimos meses, têm apresentado os seus espectáculos em regiões várias, incluindo a Galiza, como forma de minorar o impacto negativo. "O Porto ainda não recuperou das dificuldades dos últimos dois anos. As pessoas desabituaram-se de ir ao teatro e não é de um dia para o outro que tudo volta à normalidade",diz a actriz Carla Miranda.

Actor e encenador da Seiva Trupe, António Reis lamenta "a indiferença das forças vivas da cidade" pelo definhamento do teatro local e aplaude a deslocalização das suas actividades, porque "as estruturas precisam de encontrar outros pólos de atractividade se querem sobreviver". O fundador da segunda companhia mais antiga do Porto confidencia mesmo que já foi desafiado por Luís Filipe Menezes, edil gaiense, a instalar-se em Gaia, mas não admite a hipótese de abandonar a cidade.

Almoço de desagravo

Hoje, durante a deslocação ao Norte do País, a ministra da Cultura irá contactar com o tecido teatral da região. A visita inclui o que pode ser entendido como um "almoço de desagravo" com os representantes das companhias portuenses, mas nem por isso Isabel Pires de Lima deverá furtar-se a ouvir críticas pelo estado a que chegou o teatro na região.

"A culpa também é do Ministério da Cultura, por intermédio do Instituto das Artes, que fez um concurso cheio de irregularidades", adianta Francisco Beja, director da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo e elemento da direcção da Panmixia, a companhia que interpôs uma providência cautelar para congelar os resultados do derradeiros concursos de apoio às artes cénicas.

A já de si parca oferta teatral na cidade pode ainda ficar mais reduzida nos tempos mais próximos. Com o fim do apoio concedido pela autarquia, a próxima edição do festival "Fazer a festa" vai realizar-se em moldes mais modestos do que o habitual, confinando-se ao público infantil.

"O festival está debilitado e pode ficar moribundo", adverte José Leitão, convicto de que "a pequena comparticipação atribuída pelo ICAM não é suficiente para assegurar o seu funcionamento no futuro".

A incógnita rodeia também a próxima edição do Festival de Marionetas do Porto. A extinção da Culturporto torna cada vez mais improvável a continuação do festival fundado por Isabel Alves Costa há mais de uma década.

Represálias?

Menos de seis meses volvidos sobre o protesto que levou à ocupação do Rivoli, o processo ainda mexe. Francisco Alves assegura que, devido à sua participação activa no movimento, a companhia que dirige "tem sofrido várias represálias da Câmara do Porto". E exemplifica com um episódio inédito no historial do Teatro Plástico "A pouco mais de 15 dias da estreia do nosso próximo espectáculo, que prossegue o ciclo dedicado a Samuel Beckett, continuamos sem saber o local, pois, como pretendemos um espaço não convencional, estamos dependentes da aprovação camarária".

* com Cláudia Luís

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