2007-03-30

De Olho na UE

50 Anos

Miguel Portas

Daniele Mostrogiacomo, jornalista do La Repubblica, sequestrado no Afeganistão, foi trocado por cinco prisioneiros reclamados pelos talibãs. Quem intermediou a operação foi uma ONG italiana. Acto contínuo, choveram as críticas e as acusações ao governo de Roma. Dos EUA, de Berlusconi, e dos primeiros-ministros da Alemanha, da Holanda e Reino Unido. De rabo calejado em acolhedoras poltronas, classificaram a troca como “traição”, não cuidando de explicar que a alternativa era a morte do jornalista. E que nunca ele lá teria ido parar, não fosse a peregrina ideia de que as ocupações militares são virtuosas.

Mais ou menos pela mesma altura, o ministro dos Negócios Estrangeiros do mais desenvolvido país do Mundo, a Noruega, voava para Gaza e estabelecia relações com o governo de unidade palestiniana, formado no passado fim­‑de­‑semana. Só o fim do embargo pode evitar a guerra de todos contra todos. Apesar da evidência, a União Europeia continua a não querer desagradar à Casa Branca e a Israel, e inclina-se para a mais absurda das soluções: falar apenas com os ministros que não são do Hamas.

Bem mais a Norte, na Inglaterra, o governo quer que as escolas possam interditar o uso do niqab às muçulmanas que o usem. O niqab é um lenço que cobre a cara mantendo os olhos a descoberto. Quase ninguém o usava. Mas no contexto actual, o que não era problema, reinventa-se como questão identitária. Os franceses já tinham feito asneira. Agora têm companhia.

Virando a leste, na Polónia, entramos na caça às bruxas. Meio milhão de criaturas terá que provar que não colaborou com o comunismo. Some-se ao delírio uma emenda constitucional sobre a protecção da vida “desde a concepção”, a proibição de se falar ou discutir a homossexualidade nas escolas, e uma campanha governamental contra o preservativo, e estamos falados em matéria de liberdades.

Última nova da semana em que a União celebra o 50º aniversário do Tratado que a fez nascer: vem aí o cartão azul, para distribuir “aos imigrantes que interessam”. A ideia nasceu nos EUA e a Europa imita. A intenção é atrair os bons imigrantes, os mais qualificados, mantendo os outros no limbo da não cidadania. Sangra­‑se a África e enxotam-se os pobres. Uma vergonha.

Esta Europa constrói-se ao arrepio dos seus próprios êxitos e orgulhos. Todos os dias, abdica de uns e renuncia aos outros. Não percebendo que só as sepulturas vivem do passado.

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