2007-12-22

Declaração final da iniciativa “África-Europa, que alternativas?”,
realizada em Lisboa de 7 a 9 de Dezembro

África-Europa, que alternativas?

Nós, activistas envolvidos num vasto leque de organizações e movimentos sociais, em África e na Europa, reunimo-nos em Lisboa de 7 a 9 de Dezembro de 2007 para expressar a nossa oposição e resistência às políticas de comércio livre e investimento neoliberais que os governos europeus e africanos estão a implementar nos seus países, e que estão na base da “Parceria Estratégica EU-África”. Enquanto os líderes dos dois continentes se reuniam em Lisboa para decidir o futuro de África, nós juntámo-nos para continuar o diálogo social e político entre os nossos povos porque acreditamos no direito a resistir de forma concreta e a propor alternativas, e porque estamos confiantes na nossa capacidade de as concretizar.

Tanto os participantes africanos como europeus realçaram o papel histórico e contemporâneo dos governos e corporações europeias em África, e salientaram que a Europa constitui a fonte mais directa de ameaças e pressões sobre os povos de África. Consideramos que a “Parceria Estratégica EU-UA” representa uma ameaça imediata e contínua para África e rejeitamos os seus princípios e plano de acção.

Denunciamos também a política europeia de vistos que, em concreto, não permitiu que homens e mulheres envolvidos nos movimentos sociais em África pudessem estar presentes em Lisboa para participar na discussão de alternativas. É a eles e elas que dedicamos esta declaração.

Ao longo da nossa vasta troca de informações e intensa discussão acerca das quatro principais áreas de preocupação comuns, identificámos vários temas cruciais, dos quais priorizamos as seguintes propostas chave.

DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
Os governos europeus, tirando partido da situação de endividamento externo da maioria dos países africanos – e agindo através do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e, mais recentemente, da Organização Mundial de Comércio –, impuseram-lhes programas de ajustamento estrutural radicais. Depois de mais de duas décadas de liberalização do comércio e de promoção determinada de políticas económicas orientadas para a exportação, da liberalização dos mercados de capitais, da promoção do investimento estrangeiro e da privatização de serviços públicos em países africanos, são claramente evidentes os efeitos negativos, que estão na base da nossa oposição a estas políticas e às instituições por elas responsáveis. Mais recentemente, os países africanos (e das Caraíbas e Pacífico) têm sido confrontados com o reforço dessas mesmas políticas através dos Acordos de Parceria Económica (APEs) propostos pela União Europeia.

Neste contexto, exigimos que:

os governos europeus deixem de impor políticas económicas destrutivas aos países africanos, através de instituições como o FMI, o BM, ou a OMC, e dos acordos bilaterais de comércio.

os governos e os bancos europeus cancelem imediatamente a dívida externa africana, e reconheçam a sua dívida ecológica e social para com África.

a Comissão Europeia pare de exercer pressão sobre os governos africanos e abdique dos Acordos de Parceria Económica.

os países africanos resistam a estas pressões, recusando-se a assinar os APEs.

as corporações transnacionais europeias ponham termo à extracção predatória dos recursos africanos, à destruição do ambiente e do equilíbrio ecológico, e à exploração dos povos africanos.

Apelamos aos cidadãos europeus para que rejeitem a designada Reforma do Tratado, que reforça o poder da Comissão Europeia em matéria de comércio e desenvolvimento e reduz ainda mais a capacidade dos cidadãos para influenciar de forma democrática as decisões políticas no seio da União.

SOBERANIA ALIMENTAR, AGRICULTURA E RECURSOS NATURAIS

Adoptamos o princípio da soberania alimentar, que vários movimentos sociais em todo o mundo estão a implementar como alternativa ao modelo neoliberal, controlado pelas grandes corporações, de agricultura industrial e de produção alimentar. Entre as várias ameaças aos direitos das comunidades à alimentação e a produzir alimentos, realçamos as que se seguem e comprometemo-nos a lutar em conjunto contra elas:

Liberalização da agricultura e do comércio através de instrumentos como o ajustamento estrutural, a reforma neoliberal da Política Agrícola Comum, os APEs e o Acordo da OMC sobre Agricultura;

A anulação da capacidade política dos estados africanos para apoiar as suas agriculturas e proteger os seus mercados regionais;

Políticas que promovem a privatização de sementes e da biodiversidade e que ajudam à propagação de Organismos Geneticamente Modificados, e o conceito de direito de propriedade intelectual promovido por corporações europeias e outras;

A criação de um mercado global de agrocombustíveis, incentivado por medidas como as metas fixadas pela UE em matéria de biocombustíveis e subsídios para a sua produção;

Políticas de utilização dos solos que favorecem as corporações em relação aos agricultores e às gerações futuras;

Estratégias para o desenvolvimento agrícola africano centradas na acção de doadores em arenas como a UE e Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico.

Defendemos o direito dos países, quer africanos quer europeus, a apoiar os pequenos agricultores com fundos públicos, desde que este apoio não afecte negativamente outros agricultores fora dos respectivos países e regiões.

DIREITOS HUMANOS

Denunciamos o apoio prestado pela UE aos regimes autoritários e ditatoriais em África; e denunciamos igualmente as violações dos direitos humanos e da democracia, que são frequentes quer em África, quer na Europa. Existem convenções e recomendações, mas não passam de meras formalidades. Apelamos a todos os Estados de África e da Europa, e às suas organizações regionais, para que sirvam a causa da democracia e os direitos humanos, particularmente através dos seguintes compromissos:

Apoiar o desenvolvimento de uma cultura democrática, especialmente através de processos eleitorais transparentes e credíveis, com forte participação da sociedade civil a todos os níveis – desde a educação cívica à supervisão das eleições. Nesta perspectiva, condenamos a responsabilidade dos Estados-membros da União Europeia no comércio internacional de armas.

Regular, através da implementação de regras legalmente vinculativas, as corporações internacionais, sobretudo as que se dedicam às indústrias extractivas, com vista a pôr fim ao seu envolvimento em violações dos direitos humanos e em conflitos locais e regionais, e de forma a responsabilizá-las, nos seus países de origem, pelo comportamento criminoso levado a cabo no estrangeiro.

Dar mais espaço aos poderes compensatórios, tais como organizações da sociedade civil ou dos media alternativos, envolvendo-os, por exemplo, na mediação de processo de paz.

Fortalecer a democracia, reforçando o papel dos parlamentos, incluindo o Parlamento Europeu, e promover processos políticos transparentes e coerentes, em que as instituições políticas, incluindo as da UE, tenham de prestar efectivamente contas perante os cidadãos.

Defender os direitos humanos, especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres e aos seus direitos sexuais e produtivos. Rejeitamos a violência de género, os casamentos forçados e outras práticas que constituem violações dos direitos humanos e causam a morte a milhares de mulheres todos os anos.

Promover a liberdade de impressa e de expressão; promover o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e outras instituições como as comissões de direitos humanos, ao nível nacional e regional, garantindo que estão acessíveis à sociedade civil.

Exigir que o direito à alimentação, à educação, à saúde e a outros serviços básicos seja respeitado pelas Instituições Financeiras Internacionais e pela OMC e esteja consagrado nos acordos de livre comércio bilateral ou regional.

MIGRAÇÃO
Considerando que:

As actuais políticas de imigração, orientadas por preocupações securitárias e pela exploração de seres humanos, criminalizam os migrantes e ameaçam os seus direitos humanos e sociais, quer na Europa, quer em África;

A emigração em massa é, em larga medida, o resultado das políticas europeias que privam os africanos de outras oportunidades, violando os seus direitos económicos, sociais e culturais, especialmente o direito à alimentação.

As actuais políticas de imigração racistas não têm em conta as necessidades reais das sociedades europeias e africanas e minam as perspectivas de desenvolvimento sustentável, quer na Europa, quer em África;

Nós rejeitamos:

A política de externalização das fronteiras da União Europeia, cuja implementação é imposta aos governos africanos;

A política de detenção, expulsão e deportação e os acordos de readmissão;

O Programa Frontex, que se traduz num forte investimento na militarização do controlo de fronteiras, criando a base para intervenções directas em países africanos, e que representa uma verdadeira declaração de guerra contra os migrantes;

Todas as medidas e políticas que promovem exclusivamente a migração temporária mas sistematizam a “fuga de cérebros”;

Todas as políticas económicas e acordos de livre comércio que reestruturam as economias locais, aumentando as desigualdades sociais e destruindo meios de subsistência e postos de trabalho.

E exigimos que:

Todas as políticas migratórias se baseiem no reconhecimento dos direitos humanos e laborais fundamentais, garantidos pelos instrumentos e protocolos da ONU e da OIT, incluindo a liberdade de movimento e o reconhecimento, consagrando-lhes o direito de asilo, dos refugiados ambientais e de fome;

Todos os governos Europeus ratifiquem e implementem a Convenção Internacional para a Protecção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias e implementem por completo o direito de asilo.

Todos os direitos fundamentais, incluindo a saúde, a educação, a habitação, e outros, sejam reconhecidos para os “sem­ papéis” na Europa e em África, tal como a sua regularização incondicional.

Estas preocupações e aspirações juntaram-nos em Lisboa. Comprometemo-nos a fortalecer a cooperação e a solidariedade inter-regional entre os nossos movimentos sociais e organizações de África e da Europa. Comprometemo-nos ainda a agregar resistência às políticas neoliberais e a construir alternativas centradas nos povos. Em particular, continuaremos desenvolver campanhas conjuntamente com vista a:

Pôr fim aos Acordos de Parceria Económica (APE’s);

Pôr fim à Estratégia Europa Global;

Apoiar a Moratória sobre Agrocombustíveis;

Garantir o direito universal de movimento.

Vamos trabalhar por novas estratégias para o desenvolvimento económico baseadas na solidariedade, na complementaridade, na paz e no pleno respeito dos direitos humanos dos povos de África e da Europa. Tiraremos proveito de vários momentos do calendário político dos movimentos africanos e europeus, tais como

O Dia Global de Acção do Fórum Social Mundial, em 26 de Janeiro de 2008;

A XII Reunião da UNCTAD (Conf. das Nações Unidas para o Comercio e Desenvolvimento.), em Accra, em Abril de 2008;

A conferência proposta sobre Europa Global e Acordos de Livre Comércio da UE,
em Bruxelas, em Abril de 2008;

O 5º Fórum Social Europeu, em Malmö, em Setembro de 2008;

O Fórum Social Mundial das Migrações, previsto para Madrid, em Setembro de 2008;

para ligar as nossas iniciativas, construir as nossas alianças e criar condições para um mundo justo e para a estabilidade ecológica da nossa casa global comum.

Lisboa
9 de Dezembro de 2007