2007-09-12

As derrapagens alemãs da guerra mundial contra o terrorismo (GMCT)

Os sinais da frente antiterrorista vindos da Europa são cada vez mais inquietantes, nem tanto pelo aumento visível da actividade terrorista, mas pela tentativa dos governos europeus de criminalizarem a oposição. Em primeiro lugar foi dito pelo governo alemão que 17 jornalistas foram inquiridos por terem publicado artigos acerca do inquérito parlamentar sobre a participação alemã nos voos secretos da CIA de transferência de prisioneiros na Europa. Na mesma semana surge um facto que dá um arrepio na espinha: vários investigadores em pesquisa urbana a trabalharem em Berlim foram submetidos a um inquérito secreto e acusados de terrorismo – um deles acabou mesmo por ser preso. As razões invocadas apontavam os seus trabalhos de pesquisa e as pessoas com quem se encontraram enquanto os realizavam.

O Dr. Andrei Holm, sociólogo urbano de 36 anos da Universidade Humboldt de Berlin, foi preso em 31 de Julho. Especializado no estudo do emburguesamento («gentrificação») em Berlim, escreveu a obra universitária Die Rekonstruktierung des Raumes (A Reestruturação do Espaço). Transferido de helicóptero para o tribunal federal de Karlsruhe, ficou prisioneiro em nome da lei de antiterrorismo com a presunção de «associação terrorista». Foi colocado no isolamento na prisão Moabit de Berlin, 23h por dia, com contactos parcimoniosos com os seus advogados e muito limitados com a sua família incluindo os seus três filhos.

Os domicílios e escritório de três outros investigadores foram revistados, seus computadores, cadernos de endereços e papéis profissionais revistos e confiscados. Todos os quatro estavam a ser vigiados desde Setembro de 2006, suspeitos de associação com uma «organização terrorista» chamada «grupo militante». As investidas da polícia e a detenção de Holm foram precedidas da prisão de três pessoas por, supostamente, terem incendiado vários camiões do exército em Brandebourg. Para além de culpar por vandalismo estas actividades que se declaravam antimilitaristas, o governo alemão ainda evocou a secção 129ª do código penal alemão de 1976 adoptada pelo Estado aquando da perseguição ao grupo militante Baader-Meinhof, e reenquadrada actualmente na luta da «guerra contra o terrorismo» (GMCT).

Como a secção 129ª se aplica especificamente a grupos, e não a pessoas, o poder teve dificuldade em demonstrar a culpabilidade de associação para Holm e seus colegas. A maior parte das acusações contra eles tinham a ver com acções imputáveis a outros.

Um outro pesquisador, Matthias B. é acusado de utilizar frases e palavras-chave como «gentrificação» (emburguesamento), que remete para a terminologia utilizada pelos activistas antimilitares acusados de incêndios criminosos, além de escrever «textos complicados e ter acesso a uma biblioteca de pesquisa». Para o procurador federal, isso demonstra a possibilidade dos investigadores agirem como líderes intelectuais dum «grupo terrorista». Um outro é acusado de se ter encontrado com três presumíveis membros do grupo militante, e um terceiro é suspeito por ter alguns dos seus números de telefone no seu caderno.

Os presumíveis delitos de Holm incluem, entre outros, o facto de ter «contactos estreitos» com os três investigadores acusados, de ter participado na manifestação de extrema-esquerda contra a cimeira económica do G-8 de Heiligendamm em 2007, que o governo alemão tentou perturbar com rusgas policiais preventivas anti-motim em Maio, e de ter «intencionalmente» deixado o seu telefone portátil em sua casa antes de uma reunião. Nota kafkaniana: este esquecimento – contrário ao esforço das autoridades de seguir-lhe o rasto – foi interpretado como um «comportamento conspirador». O poder deu também como exemplo a utilização frequente por parte de Holm de termos como «gentrificação» e «desigualdade» no seu trabalho, o que permite adivinhar a sua cumplicidade com o grupo militante. O que é chocante é o governo alemão sentir-se autorizado a evocar o conteúdo de uma pesquisa como prova de terrorismo. Como diz numa carta aberta de pesquisadores alemães e estrangeiros contestando este acontecimento «a pesquisa critica, principalmente a que tem envolvimento político, torna-se “terrorismo”»

A oposição com as suas acusações ridículas prova o esforço desesperado do poder em analisar estas acusações no quadro da guerra contra o terrorismo, que está em vias de se construir. As mobilizações fizeram-se imediatamente sentir com manifestações em Berlim e por toda a Alemanha em Agosto. Uma frente muito ampla constituiu-se para pôr imediatamente fim às perseguições resultantes da secção 129ª, e o partido d’ Os Verdes prometeu levar a questão ao Bundestag. Mais de três mil pesquisadores universitários e de instituições de pesquisa no mundo inteiro assinaram petições condenando as prisões e pedindo a abolição da secção 129ª (ver www.einstellung.so36.net/en, em inglês). Uma resolução bem formulada circulou na reunião anual da associação sociológica dos Estados Unidos em Nova Iorque, em meados de Agosto; um protesto foi apresentado pelo grupo internacional de geografia crítica; uma outra carta de protesto surgiu de um encontro de pesquisadores em ciência urbana em Vancouver. Dois pesquisadores do Reino Unido descreveram as acusações e as encarcerações como uma espécie de «Guantanamo na Alemanha».

Num primeiro tempo, o governo alemão recusou prestar declarações, mas certos sinais levam a crer que os protestos internacionais surtiram efeito. Depois de mais de três semanas na prisão, Holm foi posto em liberdade mediante uma caução, e o tribunal federal, muito séptico quanto às acusações de terrorismo, rejeitou, pelo menos temporariamente, as tentativas do procurador para o voltar a prender. Ficam, entretanto, as acusações sobre sete acusados.

O que é preciso reter é que a secção 129ª estabelece efectivamente a culpabilidade por associação. É um presente do passado num Estado alemão cada vez mais intolerante. Os Estados Unidos tiveram recentemente perseguições a activistas não violentos bem como a variadíssimas pessoas culpadas de se encontrarem no sítio errado à hora errada; o Reino Unido ameaçou recentemente recorrer à legislação antiterrorista contra os militantes que, recentemente, denunciaram, no aeroporto de Heathrow, as alterações climáticas. Nestes exemplos, a ameaça «terrorismo» é evocada para justificar a repressão de toda a oposição legítima aos políticos governamentais.

Como interpretar de outra maneira a irritação da policia secreta perante a palavra «gentrificação» ? O precedente perigoso que nos vem da Alemanha é que os escritos, dos trabalhos de pesquisa – sem falar do esquecimento do seu telefone portátil – podem ser e serão utilizados como provas contra o seu autor. Se o Estado alemão a isto pode permitir-se, será criado um precedente internacional e os dissidentes, por todo o mundo, vão ressentir-se deste vento gelado.

Neil Smith, directeur du Center for Place, Culture, and Politics à la City University of New York.

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