2007-08-24

Quando a liberdade de imprensa termina numa linha de cocaína

Às 12:32:10 horas, de quinta-feira, 23.Agosto.2007, o Jornal Digital publicou o artigo “Quando a liberdade de imprensa termina numa linha de cocaína”, da autoria do Jornalista Rui Neumann, que, com a devida vénia, abaixo se transcreve na íntegra.

A questão do narcotráfico na Guiné-Bissau, já não é uma questão nova e, muito menos, virgem, e, cada vez mais, é notória e frequente a sua referência nos principais órgãos de Comunicação Social, nacionais e estrangeiros.

Assim sendo, importa ter presente a luta que Fernando Casimiro (Didinho) vem desenvolvendo, atentas as denúncias que, desde há muito, vem fazendo contra o Presidente da República da Guiné-Bissau, Nino Vieira, como se pode constatar no seu site www.didinho.org Inclusive, já viu morrer, em Bissau, um seu irmão em condições muito estranhas, mas nunca investigadas, e, ele próprio, apesar de se encontrar em Portugal, já foi alvo de várias ameaças de morte...

Fernando Casimiro (Didinho), para quem a vida, a liberdade, a justiça, a dignidade, a solidariedade, a honra e a responsabilidade, não são palavras vãs, praticamente sózinho, continua a lutar por uma Guiné-Bissau melhor, mais livre e mais justa, onde valha a pena viver.

Todavia, a sua luta mais recente, passa pela defesa da vida do seu compatriota Mário Sá Gomes, dirigente da Liga Guineense dos Direitos Humanos que, por ter denunciado a rede de narcotráfico da Guiné-Bissau, foi, de imediato, mandado deter pelas “autoridades” guineenses, e só não está preso e quiçá morto, por se ter refugiado na sede da representação da ONU naquele país.

Inclusive, já colocou na Internet uma petição de solidariedade, dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas, em defesa da vida do activista guineense Mário Sá Gomes, que, se assim o entenderem, também, poderão ler e subscrever, através deste link.

O artigo que o Jornal Digital editou ontem, mais não é do que a confirmação do muito que, desde há muito, se sabe e é propalado a nível nacional e internacional, aos quatro ventos, só que não se compreende, e muito menos se entende, o papel do Secretariado Permanente da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, da ONU - Organização das Nações Unidas, assim como das autoridades governamentais dos restantes países que integram a CPLP, nomeadamente Portugal e o Brasil...

Em todo este processo, parece haver muita hipocrisia e fariseísmo, particularmente, no que respeita ao narcotráfico e aos Direitos Humanos...

Mas, para melhor se avaliar, afigura-se pertinente e importante a leitura e reflexão sobre o referido artigo, abaixo reproduzido, pois, é suficiente lúcido e claro para ajudar a compreender o que, de facto, se está a passar, sem que ninguém tenha a coragem de dizer algo...

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Lusofonia

Guiné-Bissau
2007-08-23 12:32:1

Quando a liberdade de imprensa termina numa linha de cocaína


Rui Neumann


"Bissau – A Guiné-Bissau é uma plataforma do narcotráfico da América Latina para a Europa. Os principais responsáveis são conhecidos pelas autoridades, assim como a metodologia dos traficantes. A lei do silêncio prevalece sobre a justiça e a liberdade de imprensa termina numa linha de cocaína.

Demba Balde, músico de jazz da Guiné-Bissau, foi detido com um quilo de cocaína no aeroporto Léopold Sédar Senghor em Dakar, capital do Senegal, quando tentava embarcar num voo com destino a Amesterdão. Um caso, no meio de dezenas de casos, onde a imprensa não hesita em avançar com o nome do «aprendiz de traficante» evitando assim citar os nomes dos verdadeiros responsáveis guineenses pelo narcotráfico devido à posição de que estes usufruem no seio da elite política, financeira e militar do país.

Os nomes são conhecidos e frequentemente citados quando a questão da droga é avançada em conversas de rua. Mas a falta de provas «documentais», óbvia neste tipo de negócio, impede a identificação pública do cartel Bissau-guineense, permitindo apenas à comunicação social nacional a denúncia de casos esporádicos que argumentam os relatórios da Interpol que apontam a Guiné-Bissau como uma das principais plataformas do narcotráfico originário da América latina, especialmente da Colômbia.

Com cerca de uma centena de ilhas e ilhéus, o arquipélago de Bijagós é apontado como um verdadeiro entreposto da droga latino-americana e a ilha de Bubaque como o centro nervoso deste tráfico, no início directamente dirigido por colombianos, instalados na cidade de Bubaque e que hoje desapareceram da ilha após a mediatização do assunto.

Segundo fontes locais o período de residência, cerca de três anos, dos colombianos supostamente envolvidos no narcotráfico permitiu a formação de guineenses no negócio da droga abrindo assim o caminho para a criação de uma rede local capaz de recepcionar a droga e «exportar» para a Europa directamente ou via Senegal, Guiné-Conacry e Cabo Verde.

Permanecem ainda no arquipélago múltiplos hotéis direccionados para a pesca desportiva, a maior parte abandonados, geridos por europeus, maioritariamente franceses. No entanto, os raros clientes europeus não justificam a opulência destes espaços nem a existência de potentes lanchas capazes de percorrer em meia hora o trajecto de Bubaque a Bissau, enquanto uma clássica piroga de transporte de passageiros demora entre quatro e seis horas.

Enquanto as atenções da imprensa se concentram em Bubaque, capital do arquipélago de Bijagós, o narcotráfico reorganiza-se noutras ilhas apontadas pelas autoridades como inabitadas e inacessíveis. Mas pescadores e pilotos de pirogas são testemunhas de movimentações suspeitas de avionetas que aterram nas ilhas «desertas» em pistas que se assemelham a longos e rectilíneos caminhos de terra batida abertos para o efeito ou construídos pelos portugueses durante a década de sessenta e a primeira metade de setenta.

O transporte da droga do arquipélago para a Guiné-Bissau é efectuado por via marítima e aérea. Raras são a pirogas de transporte que são revistadas à chegada ao porto de Bissau, onde está instalado o Ministério da Marinha e a Policia Marítima.

Por via aérea a pista de Cufar, construída na época colonial, tornou-se já um local popularmente conhecido pelas aterragens frequentes de avionetas que descarregam a mercadoria para veículos todo-o-terreno de grande cilindrada. O processo dura apenas dez a quinze minutos.

Pouco antes da aterragem da avioneta elementos das forças armadas guineenses procedem à protecção do perímetro da pista. Vários veículos todo-o-terreno surgem no tortuoso caminho que liga à estrada para Bissau. A avioneta aterra, percorre a pista até ao local onde pode efectuar uma curva de 360 graus que lhe permitirá «fazer-se à pista» e descolar imediatamente. É neste recinto que a mercadoria, por vezes com o símbolo da Cruz Vermelha, é transferida para os todo-o-terreno.

A avioneta parte, assim como os todo-o-terreno de vidros escuros que percorrem a grande velocidade o trajecto até à capital ou para outros destinos mais seguros e discretos no interior.

Com receio de serem vítimas de represálias de superiores, nenhum dos militares ou polícias presentes nas numerosas barreiras na estrada se atrevem a mandar parar os veículos. Várias vezes populares testemunharam veículos militares a escoltarem os suspeitos veículos.

Cufar é a pista de aterragem mais popular no tráfico devido à qualidade do seu pavimento, mas não é a única. Os traficantes utilizam uma grande parte das pistas construídas pelos portugueses no interior do país durante a Guerra Colonial, minuciosamente assinaladas nos mapas militares.

Os traficantes agem com toda a impunidade e relacionam-se abertamente com «altas figuras» guineenses, Entretanto, a comunicação social é pressionada a não desenvolver a questão do narcotráfico sendo obrigada a limitar-se à difusão de comunicados oficiais ou apenas a transmitir o que a imprensa internacional já divulgou.

Quando a economia local, especialmente assente no caju, atravessa um período de crise e o país ainda não conseguiu reconstruir-se totalmente da devastadora guerra civil, é paradoxal assistir ao aparecimento súbito de sumptuosas vivendas em bairros na periferia de Bissau e em algumas das suas artérias principais onde ostensivamente estacionam veículos de luxo que, tal como o narcotráfico, são alguns dos assuntos proibidos aos jornalistas.

Todavia, os profissionais da comunicação social nacional tentaram gradualmente por fim à «omerta guineense», ou seja a lei do silêncio. A riposta foi imediata. Ameaças e intimidações levaram a Federação Internacional de Jornalistas, FIJ, a emitir um apelo ao Governo para este proteger os jornalistas que «cobrem o tráfico de droga no país depois das ameaças que obrigaram um repórter à clandestinidade e outro foi perseguido pela justiça» por supostamente denunciarem a implicação de militares guineenses no narcotráfico."

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(c) PNN Portuguese News Network
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Paulo M. A. Martins
Jornalista Luso-Brasileiro
Fortaleza (CE)
Brasil

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