2007-06-16

Vipes

José Queirós (JN)

Os fatinhos-e-gravatas e os trapinhos de soirée que na noite da última quinta-feira desfilaram sobre as passadeiras vermelhas de uma Praça D. João I interdita aos portuenses, exibindo todo o esplendor do seu glamour provinciano, são bem a expressão do estado actual do que muitos insistem em ver (e respeitar) como sendo as elites do Porto. Descontando já todas as cinhas e lilis que animam a nulidade em papel brilhante da imprensa do corazón paroquial, foi edificante observar como, entre os vipes e as vipes locais que se encaminhavam para a entrada de um Rivoli transformado em sucursal do Politeama/La Féria, face ao protesto silencioso dos cidadãos que não desistiram de se bater por um Rivoli/Teatro Municipal, se exibiam não poucos personagens que nos habituámos a ver encher a boca com declarações de amor ao desenvolvimento do Porto e do Norte, sem que alguma vez se disponham a dar um passo pela criação das condições políticas a isso indispensáveis, que trocam facilmente pelo conforto dos seus próprios interesses económicos, profissionais ou partidários.

São vipes, certamente, mas não são elite nenhuma. Fossem-no, e não se calariam nem se fariam cúmplices da entrega do teatro municipal, adquirido, recuperado e apetrechado com os dinheiros públicos da autarquia, a um empresário do music-hall a quem não falta uma rede de teatros comerciais onde procurar o lucro -e, se faltasse, bem podia a Câmara contribuir para que algumas das históricas salas de espectáculo da cidade, hoje fechadas ou degradadas, fossem recuperadas e postas ao serviço da tantas vezes proclamada, e tão pouco conseguida, intenção de reanimar a Baixa. Fossem-no, e não consentiriam em silêncio que o município, agindo em sentido contrário ao que se faz em qualquer cidade média nos países que nos habituámos a considerar civilizados (Portugal incluído), se demitisse de uma política cultural própria e pusesse em causa o que o Porto já começara a conquistar com o seu teatro municipal um lugar no mapa da criação cultural contemporânea e dos seus circuitos de itinerância, em domínios tão diversos como a dança e o teatro, a música erudita e o debate de ideias, a world music ou o novo circo. Nem aceitariam que, na passada, se pusessem em causa, com a ajuda de mentiras amplificadas na imprensa de Lisboa, os parcos apoios à divulgação do trabalho de novas gerações de artistas formados nas escolas da cidade, esses mesmos cujo profissionalismo e talento La Féria veio agora descobrir como quem descobre a pólvora. Não pactuariam, em suma, com a mesquinhez, a mediocridade e a demagogia populista.

Podem alguns dos vipes que pisaram a passadeira interdita aos portuenses continuar a afirmar o seu amor ao Porto, e haver quem acredite. Mas a elite possível da cidade, neste ano de 2007, essa vestia blusões e t-shirts e estava encostada às grades, à volta da praça privatizada, gritando "vergonha" aos cavalheiros e às damas que passavam.

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