2007-06-15

Contra a "morte" do Rivoli

O protesto reuniu, ontem, cerca de mil pessoas que cercaram o aparato montado para a estreia de Filipe La Féria

No Teatro Politeama, em Lisboa, as estreias das criações de Filipe La Féria são sempre assim um happening teatral e social, com passadeira vermelha e concentração de figuras mais ou menos mediáticas; transmissão exclusiva para a SIC e registo fotográfico para a revista "Caras" e vedações a separar os convidados VIP do público geral, a quem só é permitido aceder à peça mais tarde.

No Porto, o mesmo exercício aplicado pelo produtor ao Rivoli, com alteração integral da arquitectura decorativa da fachada do Teatro Municipal e da própria Praça D. João I, onde agora jaz uma cruz colossal e uma espécie de capela transparente, provoca animosidade. Tanto mais que a escolha do encenador para ocupar o equipamento - decidida unilateralmente pelo Executivo de Rui Rio num dos mais controversos processos de gestão cultural dos últimos anos - não colhe unanimidade. Ironicamente, ontem, na sessão inaugural e de gala do musical "Jesus Cristo Superstar", a cidade para quem La Féria diz estar a trabalhar, a convite da autarquia, ficou, literalmente, de fora.

E foi no exterior que perto de mil pessoas, com a letra "R" de Rivoli ao peito, ou na mão erguida, voltaram a manifestar-se contra a concessão de um equipamento público a um produtor privado. A manifestação pretendia ser silenciosa. Mas o princípio foi rompido quando Rui Rio irrompeu na passadeira vermelha, sendo vaiado com uma rajada de assobios. No fim dos 60 minutos estipulados para o silêncio - entre as 20.30 horas e as 21.30 horas - , os manifestantes gritaram durante vários minutos "Vergonha!"

José Luís Ferreira, do Teatro Nacional S. João, e um dos três porta-vozes da manifestação espontânea, explicou que a concentração nasceu "naturalmente da necessidade de recusar a morte do Rivoli". Esclareceu que seria silenciosa porque "o silêncio é, também, uma forma de comunicação atenta". No caso, acrescentou, "um silêncio oposto ao silêncio de comprometimento da Câmara" que, "num acto político desastroso", decidiu "amputar a cidade de um Teatro que deveria ser de acesso livre, pleno e plural à criação contemporânea". E não permitir que ele pudesse "transitar para a órbita de um outro tipo de prática, igualmente legítima, mas para a qual existem espaços na rede comercial de teatros".

A repulsa pelo silêncio da autarquia circulou num documento que foi entregue aos transeuntes. "Queremos dizer a Rui Rio (...) que, no presente caso, calar é mentir. Que as irregularidades no processo de mudança de gestão do Rivoli subsistem e que as vemos tanto mais ampliadas quanto a Câmara tenta escondê-las sob o véu de sucessivas e absurdas operações de charme".

Apesar de ter sido dito que a manifestação não pretendia ser uma "hostilização ao trabalho de La Féria, aos seus colaboradores e ao seu público", mas "um protesto contra a decisão da Câmara de entregar a exploração de um espaço público a uma entidade privada", João Teixeira Lopes, deputado do Bloco de Esquerda, insurgiu-se contra as declarações proferidas, anteontem, pelo encenador, quando este afirmou que só aceitaria a concessão do Teatro se este tivesse público.

"Insultou a cidade e os seus habitantes. Rompeu o acordo que fez com a Câmara, o que faz de Rui Rio um derrotado neste processo. Se tivesse dignidade, o autarca romperia com ele o acordo".

(retirado do JN)

A verdade é que conseguimos cercar toda a Praça D João I.


Entretanto, um protesto silencioso contra a atribuição do Teatro Rivoli, no Porto, ao encenador Filipe La Féria foi convocado para ontem em Lisboa, no Largo de Camões, “por solidariedade com o Porto”. A manifestação foi marcada para a mesma hora da do Porto, 20h30, hora marcada para a primeira apresentação no Rivoli do musical “Jesus Cristo Superstar”. “Não é uma manifestação anti-La Féria”, disse à Lusa Joana Gusmão, produtora de teatro portuense a residir em Lisboa e que ajudou a “espalhar a mensagem” do protesto na capital, via sms e e-mail, uma ideia que partiu do bailarino portuense João Costa. Trata-se – explicou – de “um protesto contra a atribuição a um director artístico de um teatro municipal que vai ser ocupado com uma programação exclusiva, quando antes estava aberto a uma programação variada de diversos grupos e projectos”. “O Porto tem pouquíssimos espaços artísticos e não se justifica esta situação”, disse.A ideia de estender o protesto a Lisboa “à última hora” era “chamar a atenção para este caso e também para a centralização, porque quando uma coisa se passa no Porto,parece que em Lisboa ninguém nota, não há comunicação entre as entidades artísticas das duas cidades”,sustentou Joana Gusmão. “A Câmara [Municipal do Porto] justificou a entrega da exploração do Rivoli a La Féria dizendo que o teatro estava vazio e isso é errado: estava cheio com um público jovem que antes não tinha o hábito de ir ao teatro”, sublinhou. “Disseram também que o teatro não dava dinheiro e eu acho que esse não pode ser o primeiro objectivo de um teatro municipal, que leve à entrega quase de mão-beijada a um empresário”, através de um concurso público “pouco transparente”, argumentou a produtora teatral portuense.

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