2007-05-13

O "Terrorismo Mediático" da Indústria Cultural

Basta alguém com uma certa autoridade fazer uma afirmação absurda na comunicação social para que esta passe a ser verdade. Seja lá qual for a afirmação. É este um dos grandes motores do nosso mundo actual. Ultimamente tem-se insistido num absurdo: a pirataria financia o terrorismo. E tem-se insistido porque é uma ideia que de tão absurda que é, custa bastante a pegar. Acima de tudo, porque a grande percentagem dos “piratas” corresponde ao cidadão comum, que não lucra de forma alguma com a actividade, a não ser ao evitar ser roubado pela indústria musical.
Hoje saiu uma entrevista com Tozé Brito, da editora Universal, num suplemento do Correio da Manhã em que se volta a bater na mesma tecla. Este considera que a pirataria, “que mais não é do que roubo de propriedade intelectual, é o negócio mais rentável do mundo neste momento, “superior ao tráfico de droga, de armas, de carne branca…”. Afirma ainda que “o atentado do 11 de Março em Madrid foi financiado com capitais que vieram da pirataria da música e dos filmes”.
Nem me vou referir a essa invenção genial que é a “propriedade intelectual”, pois merece uma reflexão mais atenta. Mas esta história da dita pirataria financiar actividades terroristas, de ser equiparada ao tráfico de droga e de armas, é demasiado ridícula para não merecer um comentário. Uma verdadeira táctica de guerrilha mediática, que apenas tem por fim deturpar e assassinar um grande exemplo de liberdade que foi a democratização da cultura, ou duma parte dela, e a possibilidade de os artistas começarem a fugir aos tentáculos da poderosa indústria musical. Dirão vocês que neste caso não se chamará pirataria, mas para indivíduos como os da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), também isso consiste numa forma de pirataria. Tudo o que não for por eles reconhecido e tudo o que for produzido fora da indústria cultural, ou não é cultura ou é crime.
Esta campanha torna-se ainda mais gravosa por reduzir um fenómeno mundial de gravidade extrema, como é o terrorismo, a este tipo de situação. Bem sabemos que, hoje em dia, quando se quer descredibilizar ou acabar com algo basta colar-lhe o rótulo de terrorista. É assim que todas as formas de poder têm justificado a sua hegemonia, e está é mais uma dessas encenações, apenas mais caricata que as outras. É, portanto, de grande importância desmascarar esta verdadeira palhaçada, esta grande hipocrisia que tão à vontade estes indivíduos apregoam.

Não tenham problemas em fazer os downloads que bem entenderem. E digo mais: se querem apoiar os artistas, vão aos seus concertos em primeiro lugar, e se gostarem realmente do seu trabalho, procurem comprar os seus trabalhos directamente aos artistas, a produtores ou distribuidoras independentes e a pequenas lojas. É assim que os podem apoiar. As poderosas indústrias que regem este mercado estão longe de servir para proteger os artistas: são os seus maiores exploradores. Apenas pretendem transformar o artista e o fruto do seu trabalho numa mera mercadoria.
Eu, como indivíduo ligado à música, ou até mesmo como possuidor deste blog, quando produzo algo, espero acima de tudo que quem se identifique não tenha problemas em divulgar, copiar, transformar, melhorar ou imitar o que faço; as ideias não são propriedade de ninguém. Apenas se impõe uma condição fundamental neste caso: não o use para fins lucrativos, que é a maior ameaça à criatividade e à produção artística.

Citando Guy Debord, “claro que eu nunca preconizei o princípio da propriedade literária. Como disse Brecht, «tudo pertence a quem o melhore».”

Fonte: Sismógrafo

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