2007-05-23

"Mamã, Papá: Como é que era o mundo antes de ser mais seguro?

Mundo ainda mais perigoso do que no auge da guerra fria

23.05.2007, Jorge Heitor - Publico.pt

A Amnistia Internacional entende que governos e grupos armados estão a violar direitos humanos em nome da segurança

"Quando encaramos os outros como uma ameaça e estamos dispostos a negociar os seus direitos humanos em troca da nossa segurança, estamos a jogar um jogo sem vencedores", afirma a secretária-geral da Amnistia Internacional (AI), Irene Zubaida Khan, na mensagem que hoje acompanha a divulgação do relatório anual daquela organização não-governamental com sede em Londres. "O mundo encontra-se tão polarizado como no auge da guerra fria, e em muitos aspectos mais perigoso. Os princípios universais que nos deviam unir estão a ser desbaratados em nome da segurança. A agenda é ditada pelo medo - instigado, encorajado e sustentado por líderes sem princípios", acrescenta aquela jurista de 50 anos natural do Bangladesh.
"As políticas do medo tornaram-se mais complexas com o aparecimento de grupos armados e grandes grupos empresariais que cometem ou permitem abusos dos direitos humanos. Governos fracos e instituições internacionais ineficazes são incapazes de os fazer responder pelos seus actos, deixando as pessoas vulneráveis", prossegue Irene Khan.

O primeiro-ministro australiano, John Howard, o Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e o do Sudão, Omar al-Bashir, são evocados entre os que recorrem ao medo (de imigrantes, do terrorismo ou de invasões estrangeiras) para reforçarem o seu poder. E considera-se que "os trabalhadores migrantes alimentam o motor da economia mundial".

O desafio da globalização

"A marginalização de uma enorme parte da humanidade não deve ser encarada como um custo inevitável da prosperidade global. Não existe nada de inevitável nas políticas e decisões que negam às pessoas os direitos económicos e sociais", afirma a secretária-geral. E logo recorda que, na África, na Ásia e na América Latina, milhões de pessoas estão a ser expulsas das suas terras "sem direito a um processo justo, pagamento de compensações ou direito a alojamento alternativo".

Os africanos, que "têm sido há muito vítimas da ganância dos governos e empresas ocidentais, enfrentam agora um novo desafio por parte da China", diz Irene Khan, segundo a qual "as normas de saúde, segurança e tratamento dos trabalhadores por parte das empresas chinesas estão aquém dos padrões internacionais".

Noutro ponto deste longo libelo acusatório sublinha-se que "a procura de terras, madeira e recursos minerais por parte das grandes empresas está a ameaçar a identidade cultural e a subsistência diária de muitas comunidades na América Latina", algumas das quais se encontram em risco de sobrevivência.

Na Rússia, "os crimes de ódio contra estrangeiros e minorias são comuns, mas até há pouco eram raramente julgados, porque se alimentavam da propaganda nacionalista das autoridades", entendem os autores do relatório que hoje de manhã será apresentado em Londres e do qual o PÚBLICO obteve antecipadamente uma cópia.

Um dos múltiplos aspectos deste diagnóstico do mundo contemporâneo é o das atitudes anticiganas na União Europeia, "com a segregação e a discriminação na educação, saúde e habitação, e a exclusão da vida pública a persistirem em alguns países". A população de etnia cigana é considerada a maior, mais pobre e jovem minoria da Europa, com um número calculado entre 9 e 12 milhões.

Declara-se ainda neste trabalho anual da mais importante organização não-governamental de direitos humanos agora apresentado na capital britânica que os incidentes de islamofobia e anti-semitismo são cada vez mais evidentes na comunidade internacional e que em muitas partes do mundo o sentimento antiocidental e antiamericano atingiu proporções inéditas.
Por outro lado, faz-se uma crítica à ONU, que demorou semanas a demonstrar no ano passado qualquer vontade de apelar a um cessar-fogo no conflito do Líbano, em que acabaram por morrer cerca de 1200 civis. E nota-se que a comunidade internacional também pouco fez para resolver as restrições à liberdade de movimento dos palestinianos nos territórios ocupados por Israel.

Quanto ao Darfur, problema particularmente visível desde o início de 2003, "é uma ferida que sangra na consciência do mundo. O Conselho de Segurança das Nações Unidas está minado por desconfiança e duplicidade por parte dos seus membros mais poderosos", conclui o trabalho desta entidade de carácter humanitário.

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