2007-05-03

Da Infâmia - Era uma vez uma Manifestação

Retirado de Spectrum


Banalidades de base:
1- Quem tomou como boa fonte as declarações da assessora de imprensa da polícia vai pelo bom caminho.
2- Quem contrapõe à carga policial o lançamento de algumas bolas de tinta e a pintura de paredes, destacando ainda os ferros e paus que suportavam bandeiras, é extremamente lúcido e tem a perfeita noção das proporções.
3- Quem se atira aos "anarquistas" e "vândalos" que "fazem favores à extrema-direita" por se manifestarem contra o fascismo, em vez de deixar esse trabalho à polícia, conhece bem a história do século XX .
4- Os que insinuam que alguns dos manifestantes gostam de andar à porrada com a polícia e nada sabem das ideias políticas que defendem, merecem um bónus.

Porque sabemos que a polícia tem um compromisso fundamental com a defesa da verdade, da democracia e do estado de direito democrático. Porque sabemos que escrever grafitti é ilegal e que a polícia existe precisamente para espancar quem os pinta. Porque sabemos que em Itália, na Alemanha, em Portugal ou em Espanha, a polícia foi o último bastião de resistência contra o fascismo. Porque sabemos que é possível afirmar praticamente tudo sem o mínimo sentido do ridículo.

O prémio porta-voz policial é para Pacheco Pereira, pelos seus considerandos acerca da "violência de extrema-esquerda" e do "vandalismo claramente organizado da auto-defesa": "Um interessante revelador dessa politização, duplamente "politicamente incorrecto" porque não cabe nem no discurso oficial, nem "popular" (ou seja do PCP e seus aliados) foi a "manifestação anti autoritária contra o Capitalismo, contra o Fascismo" que esteve na origem de distúrbios, vandalismo e prisões na zona do Chiado. A violência da extrema-esquerda não encaixa no discurso oficial e por isso não pode ser tratada como tal (diferentemente da violência da extrema-direita) pelo que as reportagens noticiosas valorizaram a carga policial e não o vandalismo claramente organizado da "autodefesa"."
Pacheco Pereira, que se deu ao trabalho de ir procurar a convocatória da manifestação às profundezas do ciber-espaço, não quis em todo o caso perder tempo a ler os vários testemunhos disponíveis e que desmontam os argumentos policiais segundo os quais os manifestantes se manifestavam violentamente. Nem as fotografias o desviaram do seu propósito de manter no ar a versão da polícia. Pacheco Pereira, mais do que escrever sobre um assunto que está na ordem do dia, desenha cenários onde podem ser representadas todas as farsas. Neste, os actores principais eram a violência da extrema-esquerda e a violência da pólícia, amanhã poderá ser o anti-semitismo da esquerda, o anti-americanismo na Europa ou o controlo socialista sobre a comunicação social. A verdade e o rigor andarão sempre igualmente longe.

O prémio da infâmia estalinista vai para o Pedro Penilo, pelos comentários no Arrastão: "Um amigo nosso tinha sido espancado. Infelizmente, tenho de reconhecer, pertence àquele tipo de jovens (que fazem as notícias de abertura dos telejornais, sobre as manifestações anti-globalização) que fazem a "apologia do desacato" e que se pelam por uma boa batalha campal com a polícia. Esta minha amiga ficou surpreendida: em vez de compaixão, encontrou irritação. Ela diz-me que é necessário radicalizar a luta, e eu pergunto-lhe se quer dizer com isso atirar bolas de tinta para dentro de lojas (onde estes jovens, aliás, costumam comprar roupa). Também acho que é preciso radicalizar a luta. Temos um mês para preparar a Greve Geral. Entretanto, estes jovens vão prestando um belo serviço ao inimigo (e não é só à extrema direita)."
A melhor parte é aquela em que o Pedro, de forma tão original como se pode esperar, acusa os manifestantes de terem prestado um belo serviço ao inimigo. Acompanhada de perto pelo comentário (jocoso ou simplesmente otário?) segundo o qual os "jovens manifestantes" compram roupa nas lojas às quais atiraram tinta.

Para o Daniel Oliveira apenas o prémio da desonestidade intelectual : "Isto, independentemente da já habitual excitação de pessoas que, na minha opinião, confundem a tradição anarquista e libertária com uma moda tribal adolescente e que se comportam como qualquer hooligan de uma claque de futebol. "
O Daniel não quis dar lugar a confusões e portanto criticou a carga policial mas sentiu a necessidade, não apenas de se distanciar dos manifestantes, mas de reproduzir o último grito da moda em termos de imbecilidade reaccionária, provavelmente inspirada nos comentários do seu blog.
De resto todos sabemos que os hooligans de uma claque de futebol carregam faixas contra o racismo e gritam palavras de ordem anti-fascistas. Obcecado pela conquista do centro, o Daniel presta-se a este tipo de retratos robot de quem discorda politicamente dele. Obcecado pelo seu próprio estatuto de comentador político, o Daniel fala de uma tradição anarquista e libertária acerca da qual percebe tanto como o corpo de intervenção percebe de democracia. Fica-lhe bem.

Finalmente, o prémio idiota de esquerda vai para tod@s os e as que se sentem felizes com a sua militância e os respectivos resultados. Não perderam ocasião para comentar os acontecimentos da Rua do Carmo como uma chatice provocada pela infantilidade de quem ainda não percebeu que votar no Louçã ou no Jerónimo, sair à rua de cravo na mão a horas certas e telefonar para a RTP a protestar por causa da vitória de Salazar no concurso dos "Grandes Portugueses, é que é.
Alternativa de esquerda, democracia avançada, modernização democrática parecem ser a única coisa de que já ouviram falar. Morrer de tédio em comícios e organizar greves gerais a que ninguém ader parece ser a sua especialidade. Gostam dos movimentos sociais que conseguem controlar e denunciam todos os outros como irresponsáveis, infantis ou simplesmente provocatórios. Gostam, em suma, dos movimentos que menos se movimentam.
Abençoados sejam, pois viverão (?) uma longa vida acerca da qual nada de relevante se poderá dizer.

E por agora é tudo.

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