2007-01-03


Rivoli entregue a La Féria

Apesar de um bocado tarde, não se pode deixar passar a tristemente previsível (ou previsivelmente triste) decisão de entregar o Rivoli ao La Féria. Cá vai o meu testemunho...

Perdoar-me-ão se disser que o que já se sabia acabou de se confirmar. Claro que, se já se sabia, não havia como não ser passível de confirmação. Por isso, não há como me perdoar por dizer, e repetir, que o que já se sabia acabou de se confirmar. Em minha defesa, tenho a dizer que a alternativa a esta verborreia repetitiva tem uma carácter tão vernacular que cabe mais no café aqui do lado, em registo oral e necessariamente efémero, do que aqui, onde ficaria registado de forma escrita e com carácter mais perene. Não nos esqueçamos que o homem que só subsidia quem se comprometer a não o criticar já processou pessoas por palavras bem mais suaves do que as que me bailam na cabeça neste momento.

A Câmara Municipal do Porto, por decisão autista e previsível do seu presidente, entregou o Rivoli à Bastidores – Produções Artísticas, Lda., empresa de Filipe La Féria. A decisão é, do meu ponto de vista, a pior opção dentro das más opções possíveis. Digo que as opções alternativas eram más, não por menosprezo por quem as delineou e sem juízos de valor sobre os seus conteúdos, que desconheço. O mal está em serem as opções possíveis duma alternativa má, que é a de entregar a gestão do Rivoli a privados, em vez de a manter municipal, abrangente, aberta e – não vejo porque não – até deficitária em termos económicos.

A decisão está tomada e vai ser colocada em prática! Mesmo com essa consciência da realidade, opor-me-ei, por todos os meios que considerar possíveis, ao reinado das mega produções para mega massas. É que a puta da esperança teima em não morrer em mim. (Chamei-lhe puta, mas não temo. Afinal, não lhe colei o rótulo pestilento, perigoso e bastante mais insultuoso de “energúmeno”). E a esperança, já se sabe, só se alimenta de luta ou de fé. Na falta da segunda, não abdico da primeira. Sem esquecer, no entanto, que, mais do que nos centrarmos em campanhas contra o que significa a entrega de património pago com dinheiros públicos a empresas privadas como a Bastidores, é importante manter presente que o que nos move é a veemente oposição à entrega de património pago com dinheiros públicos a empresas privadas como a Bastidores ou outra qualquer, por muito louváveis que pudessem ser os seus objectivos.

Uma virtude tenho que reconhecer no justiceiro-erradicador de arrumadores. O homem consegue indignar-me de formas sempre novas. Andava eu entretido a dar de comer ao meu ódio novos argumentos... Vê lá tu, ódio, que o gajo agora decidiu entregar o Rivoli ao La Féria... De repente, vou-me apercebendo do processo de tomada de decisão e baralho-me, porque não sei se devo dar a decisão em si como aperitivo ou conduto, ou se este é o processo de tomada de decisão.

Poucos dos que me conhecem desconhecerão a história. Mas fica sempre bem apresentá-la... Era uma vez um homem que não precisava de tribunais ou juízes para decidir se um dos seus inquilinos era traficante de droga. Assim, sempre que queria, tirava as casas a pessoas de quem lhe apetecesse suspeitar e não lhes dava morada alternativa. Olho da rua, que assim mesmo é que é, principalmente se fores cigano. Também não gostava de pedintes, indigentes, cantoneiros e gente de classe baixa em geral. Praticava uma espécie de caridade, mais por medo do que por imperativo moral. Temos que tratar dos pobres antes que os pobres tratem de nós é uma frase que deveria figurar no brasão da cidade. Artistas, gente com manias intelectuais e outros cabeludos e mal vestidos também não faziam parte do rol de preferências do senhor.

Esse homem é infalível. Nunca se engana e raramente tem dúvidas. Para ter a certeza de que as coisas dão certo, deixa escapar poucos pormenores. E trabalha pelo seguro. Pensa, toma uma decisão e, depois, cria uma comissão que conclua de acordo com o previamente decidido. O processo contrário, apesar de mais usual em democracia, é bastante mais falível, porque pode dar-se o caso da Comissão, ao aconselhar sem saber previamente o quê, se enganar e não dar o conselho que o homem que mandou despejar toxicodependentes em locais ermos e longínquos queria ouvir.

Para além do mais, a Fundação Gomes Teixeira, da Universidade do Porto, recusou-se a emitir qualquer parecer, por nenhum dos proponentes ter apresentado dados suficientemente sólidos para uma apreciação tecnicamente rigorosa. Trata-se da entrega à exploração privada de património pago com dinheiros públicos. Mas as propostas não traziam sequer um orçamento (“Não chegamos a apresentar um orçamento”, disse ao jornal O Público – 13 de Dezembro 2006, pág. 30 – Irene Sousa, produtora da Bastidores). No mínimo, surreal.

Assim, a análise das propostas acabou por ficar entregue a uma comissão cuja independência em relação ao presidente da câmara não poderia estar mais provada. A referida Comissão é constituída por gente tão insuspeita de saber de antemão o que tem que decidir como Álvaro Castello-Branco, vice-presidente da CMP, ou Raul Matos Fernandes, director municipal de cultura, ou ainda Manuel Teixeira, chefe de gabinete de Rui Rio.

Este é um possível primeiro ministro do país. E mais não digo.

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2 Comments:

Blogger Sardera said...

Não resisto a copiar o comentário que o meu texto recebeu no indymedia português por parte da noosfera:

Eu compreendo que não tenhas querido falar do conduto, não há stock de alka seltzer que resista a este Rio, mas eu já estou na fase em que rio do Rio para não chorar... e mesmo sendo tão triste, é impossível ignorar o grotesco desta negociata em que a câmara, tão "económicamente" preocupada com a gestão do erário público, entrega de mão beijada a este modelo de confiabilidade - uma empresa que-existia-mas-afinal-não-existe-porque-deve-ao-fisco-não-faz-mal-faz-se-outra http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=224964&idselect=13&idCanal=13&p=200 a gestão do Rivoli, assinando um contrato renovável de quatro em quatro anos, com (é aqui que me Rio) o cuidadérrimo pormenor duma cláusula que a obriga (câmara, gestora omnipotente do nosso património e do nosso dinheirinho), se ao fim dos quatro anos optar pela não renovação do contrato, e se estiver em palco um espectáculo estreado há menos de 180 dias, a indemnizar La Féria num valor "correspondente aos três maiores meses de receita média, dos seis meses imediatamente antecedentes da comunicação da intenção de não renovação".

Para rematar como sobremesa para quem não conheça, a pérola em vinagre do nosso faraó:

http://www.cm-porto.pt/document/449218/484491.pdf

10:31 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Rui Rio está a roubar a cidade do Porto. Não assume as responsabilidades para as quais foi eleito. Já chega, é altura de abrir os olhos!

2:04 da tarde  

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